Meu filho:
No dia em que este velho pai já não for mais o mesmo em ânimo e vigor, por favor, tem paciência comigo ...
Quando, ao comer, eu derramar comida na roupa ou, quando eu me esquecer de amarrar os sapatos, lembre-se de todas as horas que eu passei ensinando você a fazer essas mesmas coisas ...
E quando ao conversarmos, se eu ficar repetindo a mesma estória que você já sabe de cór como termina, por favor, não me interrompa ... Me escute! ... Lembre-se de quantas vezes, quando você era pequeno, eu tinha de contar milhares de vêzes a mesma estória, até que você, finalmente, fechasse os seus olhinhos e dormisse ...
E quando estivermos reunidos e, sem querer, eu fizer as minhas necessidades na roupa, não sinta piedade de mim e compreenda que eu não tenho culpa por isso, pois que pela fragilidade do meu organismo, eu já não posso mais controlar essas coisas ...
Pense em quantas vêzes, quando você era pequeno, eu o ajudei, nas mesmas circunstâncias e fiquei pacientemente do seu lado esperando que você terminasse de fazer o que estava fazendo ...
Não me recrimine por eu não querer tomar banho e nem me repreenda por isso... Lembre-se de todos os momentos em que eu tive que persegui-lo e nos mil pretextos que eu tive que inventar para tornar mais agradável o seu banho e, então, me aceite e me perdoe, porque agora a criança sou eu ...
E não me recrimine por eu não conseguir compreender todas as evoluções tecnológicas de agora ... Dê-me todo o tempo de que eu necessito para compreendê-las, sem me menosprezar com o seu sorriso sarcástico ...
Lembre-se de que fui eu quem lhe ensinou as primeiras coisas, como comer, se vestir e ter educação para enfrentar a vida tão bem como você o faz ... E que tudo isso é produto do meu esforço, perseverança e de todo o meu amor por você ...
E se alguma vez, ao conversarmos, eu me esquecer do que estávamos falando, dê-me todo o tempo necessário para que eu me lembre e, se eu não conseguir, não zombe de mim ... Talvez não fosse mesmo muito importante o que eu ia falar à você ...
E também se alguma vez eu não quiser comer, não insista ... Eu sei que eu preciso e que eu devo comer, mas compreenda que, com o tempo, eu já não tenho dentes para morder e nem paladar para saborear as comidas ...
Quando as minhas pernas falharem por eu estar cansado de andar, dê-me a sua terna mão para que eu me apoie nela, como eu fiz com você quando você começou a caminhar com as suas próprias pernas: gordinhas e frágeis ...
Quando algum dia você me ouvir dizer que eu já não quero mais viver e que eu só quero morrer, não se aborreça ... Algum dia você irá entender que isso não tem nada a ver com o seu carinho e nem com o quanto eu amo você ... Tente compreender que eu já não vivo e que, apenas, sobrevivo ... E isso não é viver! ...
E, finalmente, não se sinta triste por me ver falar assim! ... Compreenda e faça como eu fiz com você quando você começou a viver ... Da mesma maneira como eu o acompanhei no início do seu caminho, rogo-lhe agora para que me acompanhe até que eu termine o meu: dando-me amor e paciência, que eu lhe devolverei com gratidão, com sorrisos e com o imenso amor que eu sinto por você.
Com um beijo terno do seu velho pai.
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(*) – Texto adaptado por Marcelo A. L. Cardoso